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de passagem

Um povo, uma meta, uma fé

Em busca de trabalho, anualmente, dezenas de senegaleses aportam no Recife. Na cidade se deparam com algumas fronteiras, para além das territoriais: linguísticas, religiosas e culturais. Cultivam a esperança de voltar para casa preparados para oferecer uma vida melhor para suas famílias — o que, algumas vezes, não ocorre. Nesse projeto, é traçado um mapa da presença desses senegaleses no Recife. Sua vida, seu trabalho e seus anseios.

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Textos                                                                                                                                                      Imagens

Caíque Batista                                                                                                            Eduarda Esteves Eduarda Esteves                                                                                                                                                  

Orientação                                                                          Design

Adriana Santana (UFPE)                                                                                                 Vinícius de Brito                                                                                                                                          Caio Castro Mello

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Migrar

De acordo com o dicionário, migrar é o ato de se deslocar geograficamente dentro de um determinado espaço, de forma temporária ou permanente. Esses fluxos migratórios podem ser desencadeados por vários motivos: culturais, religiosos, políticos, econômicos e naturais. Esses três últimos são as principais causas do deslocamento de um grande contingente de pessoas para uma região que, geralmente, é desconhecida por elas. Em especial, a migração econômica exerce a maior influência sobre os povos, justamente por fazê-los buscarem um sistema produtivo que concentra mais oportunidades de trabalho.

 

A migração e a imigração sempre foram práticas comuns em todas as nações. Sociedades em todo planeta já convivem há muito com o fluxo de estrangeiros. No entanto, de acordo com um recente balanço divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), nos últimos anos, principalmente a partir de 2011, o mundo vive a pior crise migratória da humanidade desde a Segunda Guerra Mundial. E o motivo dos migrantes deixarem as casas deles não é somente econômico.

 

Guerras, ditaduras, disputa por poder político, fome e repressão religiosa são algumas das causas de comunidades inteiras deixarem o país de origem em busca de uma vida melhor, principalmente, em outro continente. Nesse cenário, países da África e Ásia são os mais afetados pela crise migratória. Em trajetos perigosos, principalmente pelo Mar Mediterrâneo, grupos se deslocam em embarcações precárias e com quantidades de passageiros muito acima do permitido para navegar. E enquanto países, em especial os europeus, tentam impedir a chegada de imigrantes ao seu território, o número de fatalidades só aumenta. Segundo estimativas da Organização Internacional para Migração (IOM), no final de 2015, já eram mais de 15 mil mortes de migrantes em travessias entre fronteiras.

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Nesse cenário de crise humanitária instaurada, a situação migratória dos refugiados chama a atenção internacional. Na maioria esmagadora, e em uma condição diferente dos imigrantes, eles vêm deixando suas casas devido a fortes repressões no país de origem, ou pelas inúmeras dificuldades enfrentadas por lá. Por conta disso, acabam fugindo, refugiando-se em outra nação e não podem voltar ao lar. Muitos deles permanecem de forma ilegal em outras nações porque não conseguem apoio do governo local e temem por deportação.

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Imigração e peso do preconceito

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Em meio a toda essa crise humanitária, os imigrantes são atingidos por essa problemática. Mas de acordo com o sociólogo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Remo Mutzenberg, os processos migratórios são distintos. “O grande problema da Europa hoje são os processos de refugiados, que, realmente, dentro de um contexto de guerras, conflitos e miséria, estão deixando a Ásia e a África. Isso é um exemplo de migração forçada. Essas pessoas deixam suas casas para não morrerem. Mas, existem diversos processos migratórios. Você tem a migração por opção, de buscar alternativas, muitas vezes em outros países ou continentes”, explica o pesquisador.

 

Essa confusão entre a condição de imigrante e refugiado é causada principalmente pelo estereótipo que grande parte do mundo possui sobre o continente africano. Países, em especial, de “primeiro mundo”, o enxergam como um território coberto unicamente pela fome, miséria e guerras. Segundo o professor e cientista político especialista em Relações Internacionais Thales Castro, a ideia de uma África pobre coberta por adversidades é causada pelo conhecimento restrito das pessoas. “A gente pensa o continente no contexto somente negativo, mas esquecemos de pensar seus países como nações distintas. Nós do Brasil, por exemplo, enxergamos a África a partir do que tivemos acesso, por meio do processo histórico da escravidão, criamos alguns estereótipos”, disse Thales.

 

O sociólogo Remo Mutzenberg ressalta que essa generalização em relação aos povos da África reforça o preconceito sobre os imigrantes e refugiados. “O problema está justamente nessa homogeneização que fazemos do continente africano. Lá, você tem, realmente, países muito complicados, com tensões, conflitos internos, guerras civis e situação de pobreza, mas isso varia de nação para nação”, fala Remo. O professor Thales Castro esclarece que os contrastes sociais fazem parte da realidade dos países africanos, assim como do Brasil: “esses países têm diferenças econômicas muito grandes dentro deles. É como acontece aqui mesmo no Brasil. Temos contrastes sociais enormes em muitas cidades pelo país”.

 

Porém, ao contrário dessa ideia generalizada sobre a imigração, africanos, principalmente nos últimos anos, chegaram ao Brasil em busca unicamente de ganhar dinheiro para ajudar a família. Mas, diferente dos refugiados, eles, que deixam seus países por opção com o intuito de trabalhar, voltam para casa após atingir o objetivo por aqui. O professor Remo Mutzenberg explica que esses imigrantes não deixam a pátria porque por lá não há condições de sobrevivência. “Muitos buscam alternativas em outros países principalmente por falta de opção em sua terra natal. Há uma carência de infraestrutura, de investimento, de diversidade de emprego e na geração de renda, por exemplo”, explica Remo.

Deixar o país de origem é uma escolha para uns e a única alternativa para outros. No Senegal, país majoritariamente rural e com níveis ainda baixos de industrialização, os senegaleses migram em busca de mais alternativas em outros países. Além disso, o pesquisador e sociólogo da Universidade Federal de Pernambuco Remo Mutzenberg introduz outro problema comum nessas regiões da África: "um alto dado que chama a atenção é a questão populacional. Nos países africanos, você vê ainda altas taxas de natalidade e uma grande falta de estruturas desses Estados em absorver essa população. Então, o processo de imigração leva muito disso em conta”.

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No Brasil, o número de imigrantes registrados pela Polícia Federal (PF) aumentou 160% em 10 anos. De acordo com os dados da PF, 117.745 estrangeiros deram entrada no país em 2015, o que significa um aumento de 2,6 vezes em relação ao ano de 2006, no qual 45.124 estrangeiros tinham dado entrada no país.

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Segundo o cientista político e especialista em Relações Internacionais Thales Castro, essa atração pelo Brasil se deve à mudança política e investimentos que o país promoveu na última década, principalmente na área de relações exteriores. A partir de 2003, ocorre uma presença mais efetiva do Brasil na relação com países africanos. “Em Dakar, capital do Senegal a referência que eles tinham do Brasil era o governo Lula. Então, se criou uma imagem do Brasil como modelo para sair da pobreza”, comenta Thales.

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O economista e professor da Universidade Federal de Pernambuco Écio Costa ressalta ainda que esse aumento nítido de imigrantes pode ser explicado, em grande parte, pelo momento econômico que o país viveu nos últimos anos: “o cenário macroeconômico internacional propiciou que o Brasil tivesse um desempenho bastante interessante aos olhos do mundo. O Real estava bem valorizado em relação ao Dólar e a outras moedas fortes, além de encontrarmos nesse período uma inflação controlada e exportações elevadas”. Fora do eixo norte-americano, que passava recessão na época, o Brasil despontou como modelo bem sucedido.

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Atualmente, dentro do Brasil, os africanos, vindos de diversos países, se espalham por várias cidades e não se concentram somente nas grandes metrópoles. “Além da questão da facilidade geográfica, por conta da proximidade entre o Recife e Dakar, há também a tendência desses imigrantes em procurar metrópoles menores. Como trabalham majoritariamente com comércio, lugares onde há um número menor de lojistas são mais vantajosos para eles”, explica o professor Remo Mutzenberg.

DESTINO

Destino
Na Rua

Em busca de personagens que comprovassem a condição de um imigrante econômico, fomos até um dos principais corredores de transporte do Recife: a Avenida Conde da Boa Vista. Duas horas da tarde de uma terça-feira, sol escaldante e a multidão de sempre nas calçadas da via disputando espaço com os ambulantes, que ocupam as beiradas da avenida. Entre esses ambulantes, existe um notável contingente de africanos. É fácil percebê-los por lá.

 

Eles estão aos montes, espalhados por toda rua. O tom da pele e o sotaque do português pronunciado com bastante dificuldade são características que os destacam do aglomerado. Nesse cenário, encontramos Lamane Diaw.

Senegalês, de 27 anos, ele demonstrou um certo receio em falar conosco, assim como tantos outros com quem tentamos conversar. Depois de distraí-lo perguntando sobre os produtos que estava vendendo (bijuterias das mais variadas), ele nos falou, em respostas curtas — outra característica dos comerciantes africanos — um pouco sobre a chegada ao Brasil e o motivo de vir para cá. Lamane disse que chegou há um ano e veio direto para a capital pernambucana.

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Ele trabalhava com o pai, dono de uma loja de materiais esportivos na capital senegalesa, Dakar, e contou nunca ter tido vontade de deixar a nação. Mas o pai dele o mandou para cá. “Na verdade, eu não queria sair da minha terra. Tenho minha mãe lá, meu pai, minha namorada, e tive que deixar tudo para vir trabalhar aqui. Eu vivia bem. Ajudava meu pai na loja dele, mas ele me mandou vir. Comprou minha passagem e eu vim para o Recife”, confessa Lamane, que envia a maior parte do lucro ao Senegal.

 

Nas vezes em que o encontramos vendendo seus produtos na Conde da Boa Vista, Lamane sempre estava bem vestido, com o fone no ouvido — escutando música o tempo inteiro (ele é fã de música pop norte-americana), calças largas (daquelas que lembram as de rapper) e uniformes de basquete —. Inclusive, o esporte foi uma das coisas que Lamane sente ter deixado para trás: “Jogava basquete quase todo dia. Amo jogar, mas aqui não dá. Tenho trabalho”. Durante toda a conversa, era comum ver o desconforto de Lamane por morar longe de casa. “Estou aqui porque meu pai quer, mas assim que ele me chamar de volta, eu vou. Minha vontade é voltar para o Senegal”, confessa. 

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É sempre um trabalho minucioso de apuração abordar esses comerciantes africanos senegaleses. Eles criam uma espécie de comunidade aqui, pela identificação com a nação de onde vieram e por estarem em situações parecidas na cidade. Eles sempre mantêm contato entre si. A medida que tentávamos conversar com um deles, o outro já sinalizava saber quem éramos. A dificuldade em conversar com esses senegaleses estava justamente aí: no receio em nos conceder entrevista. Alguns nem nos olhavam e já se negavam a falar, outros já nos reconheciam de longe e já sabiam o que queríamos e nos davam um “não” ou diziam que falariam depois.

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Por outro lado, alguns eram mais abertos e nos recebiam com um sorriso no rosto para conversar, mesmo durante as vendas no tumulto da Avenida Conde da Boa Vista. Um deles foi Pedro Diop, de 37 anos. Sempre sorridente e com uma calma que é de dar inveja para quem trabalha sob o sol quente e na turbulência do comércio do Centro da cidade, o também vendedor ambulante senegalês está no Recife há quatro meses e confessa que foi atraído para o Brasil por causa da nossa moeda, pelo custo de vida e o tamanho do país.

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“Real é mais forte, dá mais dinheiro do que o Franco, do Senegal. Queria ter dinheiro para conseguir viver aqui por um tempo e mandar dinheiro pra casa. Também, o Brasil é mais barato de viver que Europa e Estados Unidos. Aqui tem muito lugar para trabalhar e muitas pessoas para comprar nossas coisas. Senegal é muito pequeno”, explica Pedro, ainda com muita dificuldade de falar o português. Apesar de ter conseguido chegar ao Recife e ganhar uma renda para sobreviver e ajudar a sua família no Senegal, ele não quer ficar de vez por aqui: “meu objetivo é ficar por dois anos juntando dinheiro e voltar para o Senegal. Depois, volto para ficar mais dois anos aqui”.

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Já o comerciante ambulante Mamadou Matar, de 30 anos, revela o principal motivo para ter deixado Dakar e vir ao Recife: lucrar com as copas das Confederações e do Mundo, realizadas no Brasil em 2013 e 2014, respectivamente. “Em 2012, todo mundo via o Brasil como o centro da economia no mundo. A gente pensava que aqui era melhor. Então, pensei logo em vir para cá, trabalhar com o comércio para ganhar a vida para poder voltar ao meu país. Já estou aqui há quase quatro anos”, conta Mamadou, que domina mais a língua portuguesa se comparado a outros senegaleses com quem conversamos, justamente pelo tempo em que já vive aqui.

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Tanto Pedro como Mamadou e Lamane, ao serem abordados por nós, tiveram de início receio em conversar conosco, e explicaram a causa desse medo, pois foram colocados na condição de ignorantes e pobres. Além disso, eles relatam ainda enfrentar o preconceito por serem imigrantes africanos. “Você pode até viver melhor que eles, ter estudo, ser até mais inteligente, mas você nunca vai ser visto assim, porque você veio da África, você é imigrante”, conta Mamadou Matar.

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Cidades-irmãs

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País que tem mais de 90% da sua população como seguidora do islamismo, onde a língua oficial é o francês e o dialeto predominante é o wolof, o Senegal fica na parte Ocidental da África. Os portugueses foram os primeiros “descobridores” a chegarem em terras senegalesas e os franceses assumiram a colonização do território no século 17.

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As semelhanças culturais com o Brasil, em especial Pernambuco, fizeram com que em novembro de 2012 fosse firmado um convênio entre a capital pernambucana e Dakar, transformando-as em “cidades-irmãs”. “Brasil e África têm uma aproximação muito marcante, possuem traços muito fortes e semelhantes em suas identidades culturais”, conta o cônsul do Senegal no Recife, Ênio Castelar, que explica também que o Senegal é o único país do continente a possuir consulado em Pernambuco.

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Sobre o porquê de ter escolhido Pernambuco, o vendedor ambulante senegalês Pedro Diop fala: “aqui é melhor para trabalhar. São Paulo é muito grande, já tem muita gente para vender e o aluguel é mais barato e a comida também. O clima é parecido com Dakar no verão e as pessoas são animadas igual a Senegal”. No capital pernambucana, o número de africanos trabalhando no comércio informal é grande.

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Pablo Gueye, de 37 anos, comerciante senegalês na Conde da Boa Vista, conta que veio ao Recife atraído pelos fortes elogios de um amigo que mora na cidade há 15 anos. “Meu amigo vive no bairro da Encruzilhada e me falava muito bem daqui. Eu já queria muito vir para o Brasil”. O senegalês ressalta que prefere a capital pernambucana a outras cidades do país. “Gosto daqui, as vendas já foram melhores, mas ainda é bom. É diferente de São Paulo. Lá é maior, mas já tem muita gente vivendo disso”, afirma.

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Apesar de não haver dados concretos oficiais sobre a quantidade de africanos, em especial senegaleses, trabalhando no comércio informal, podemos levantar outros números. De 2012 a 2014, a entrada de estrangeiros em Pernambuco aumentou de 68,8 mil para 77,6 mil, segundo dados do Observatório de Migrações Internacionais (MTE). Já entre 2013 e 2014, foram mais de 2 mil estrangeiros do Senegal entrando no país.

Na rua

Sempre sorridente, Pedro Diop arma o comércio no Centro do Recife há 4 meses
LAMANE DIAW FAZ DO FONE DE OUVIDO UM COMPANHEIRO NA ROTINA DAS VENDAS
Pedro Diop: "meu objetivo é ficar 2 anos no Brasil juntando dinheiro e voltar para o Senegal"
Mascate

Silêncio

Silêncio

Por volta das 17h30 de uma sexta-feira, o sol escaldante batia no asfalto cinzento da Avenida Conde da Boa Vista. Conhecido pela agitação comercial e movimentação intensa de transeuntes durante o dia, o bairro da Boa Vista dava início ao encerramento do expediente. Com o som das portas se fechando e o barulho dos ônibus lotados de trabalhadores de volta à casa, o dia comercial parecia já ter um desfecho para alguns. Mas para a aposentada Rejane Souza, de 62 anos, a jornada estava apenas começando.

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Das escadas do edifício Rostand, também de frente à Avenida Conde da Boa Vista, descia a professora Rejane, moradora da região há mais de 30 anos. Sorridente, ela trazia consigo cadernos, acomoda-se em um banquinho de plástico na calçada da avenida e dava início à conversa com os ambulantes estrangeiros. Chamada de “mãe brasileira” por alguns imigrantes vindos do Senegal, a professora revive lembranças da trajetória nas escolas pernambucanas e faz da estreita calçada do lugar uma sala de aula de alfabetização.

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A professora conta que tudo teve início no ano de 2016, quando resolveu se aproximar dos estrangeiros para iniciar um pequeno diálogo por curiosidade. “Apesar de sempre trocar poucas palavras com eles durante a entrada e saída do meu prédio, eu nunca tinha tentado uma troca mais intensa que só a linguagem pode nos proporcionar”. Rejane relembra que dois senegaleses, que trabalham justamente embaixo de seu edifício, perguntaram se ela poderia lhes ensinar português. “Eu lembro que eles chegaram para mim e disseram: ‘mãe, quero aprender português’”, diz.

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“Comecei ensinando as vogais e as consoantes e depois como devemos juntar as sílabas, mostrando todas as diferenças. Comprei algum material escolar e eu sempre dizia que era fácil e que eles poderiam melhorar, mas que precisavam se dedicar mais para aprender o bê-a-bá”, detalhou Rejane. As aulas ministradas à beira da avenida pela professora são gratuitas e realizadas voluntariamente. “Eu percebo que cada um tem sua dificuldade linguística, alguns já dominam o básico, outros não. Às vezes a insegurança de não ser compreendido é uma grande barreira”, lamenta.

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Aluno fiel da “mãe brasileira”, Lamane Diaw afirma que pediu ajuda à professora para melhorar a comunicação. “Quando eu cheguei ao Brasil, eu não sabia falar a língua daqui e ela foi quem me ensinou com muita paciência”. A aposentada diz que pega no pé de Lamane porque ele é muito tímido. “Eu sempre peço que eles falem mais um pouco em português para poder treinar”, explica. Com fones de ouvido e atento ao celular, o aluno de Rejane prefere ouvir músicas do Senegal e dos Estados Unidos e diz não gostar muito das letras brasileiras.

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Por outro lado, o ambulante Mountakha Seck, de 27 anos, conhecido pelos amigos como Bili, diz que aprender português foi mais confortável. Trabalhando hoje como ambulante no Centro do Recife, ele veio de Dakar, capital senegalesa, para a América do Sul em busca de trabalhos mais rentáveis. Antes de chegar ao Brasil, Bili esteve em outros países latinos e por isso já chegou ao território brasileiro dominando o espanhol. Em 2013, ele explica que morou no Rio Grande do Sul, onde trabalhou em um frigorífico de uma empresa multinacional e, com a ajuda dos colegas de trabalho, conseguiu aprender a língua nacional aos poucos.

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“Eu usei aplicativos no meu celular para poder aprender mais o português e isso me ajudou bastante. No comércio, eu consigo me comunicar e vender meus produtos, mas ainda falo muito pouco para poder conversar mais tranquilo fora do ambiente de trabalho”, esclarece Bili. Ao mudar a área de atuação, o senegalês está certo de que precisou se esforçar mais no aprendizado da língua para ser comerciante. “Tenho que negociar com os clientes e o brasileiro gosta de pedir um preço menor”, comenta sorrindo.

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Dialetos brasileiros

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Diferente de Bili, o ambulante senegalês Pedro Diop, que também trabalha como alfaiate, chegou aqui sem conhecer nada da língua portuguesa. Entre um cliente e outro, Diop tem bastante dificuldade para se comunicar e ainda se diz um iniciante no português. Com muitas dúvidas na hora de falar e um sorriso de quem quer ser entendido, o alfaiate se esforça para compreender o que é “saudade”, quando lhe pergunto sobre do que mais sente falta no Senegal. Ao acessar um aplicativo de tradução, ele entende e crava: “minha família, beleza?”.

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Há quatro meses em Pernambuco e amante dos recifenses, os quais ele considera “povo de coração”, Diop também morou dois meses em São Paulo e revela que o brasileiro fala diferente em cada região, o que dificulta o aprendizado do português. “Quando passei pelo Rio de Janeiro, eles não falavam a mesma língua que os pernambucanos”, compara. Apesar da dificuldade linguística no Brasil, o comerciante fala francês, wolof e árabe e gostaria de cursar português gratuitamente no Recife.

 

Segundo o presidente da Associação de Senegaleses de Pernambuco, Amadou Touré, comerciante que conquistou o posto por ser o senegalês há mais tempo na capital, a comunidade é muito integrada  entre si. Seja em reuniões culturais, religiosas ou até em grupos nas redes sociais, falar o dialeto do Senegal é prioridade. “Somos muito unidos, estamos longe de casa e nos tratamos como irmãos, por isso preferimos entre nós falar a língua da nossa terra”.

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A vivência coletiva entre eles pode ser benéfica no início por se sentirem mais confortáveis e seguros, mas a longo prazo os danos podem ser prejudiciais. É o que diz o pesquisador Alejandro Portes, em seu livro “Migrações Internacionais” (1999). Para o escritor, a inibição de conterrâneos em migração para um mesmo local pode ser danosa no futuro, visto que residir por anos em uma cidade desconhecendo costumes e a língua local contribui para a segregação social.

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Mesmo com dificuldades para compreender o português, algumas palavras são marcantes e despertam o sentimento de medo nos imigrantes que atuam no comércio informal da Conde da Boa Vista. Expressões marcantes como “lá vem os homens” e “corre” são bastante conhecidas por eles. Os jargões entoados por trabalhadores da fiscalização da Prefeitura da Cidade se referem ao momento de retirada dos ambulantes do calçamento da via. O Projeto da Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano (Semoc), órgão vinculado à prefeitura, previa uma “limpeza” nas calçadas da principal via do centro do Recife até o fim de 2016, mas não chegou a ser implementado.

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Fronteiras invisíveis

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Para um imigrante econômico, residir em um país culturalmente diferente já é, por si só, um grande desafio, tal como enfrentar as barreiras linguísticas de outra comunidade. No livro “Políticas de imigração e as novas dinâmicas da cidadania em Portugal” (2004), o escritor Paulo Manuel Costa afirmou que o conceito de nação é “um grupo de indivíduos residentes num dado território, unidos, entre si, por laços comuns de descendência, história, língua e cultura, e que aspiram ao exercício do poder político”. Para o especialista, as políticas públicas, por consequência, tendem a ser praticadas e direcionadas a um grupo homogêneo, excluindo, muitas vezes, os estrangeiros.

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De acordo com dados do Escritório de Assistência à Cidadania Africana em Pernambuco (Eacape), órgão que atua desde 2011 e presta apoio jurídico e social aos africanos que residem no estado, há cerca de 170 senegaleses aqui — dos quais 120 estão no Recife. Dados da Eacape revelam que a comunidade senegalesa soma o maior quantitativo de africanos morando em Pernambuco. Apesar da alta demanda e da presença dos imigrantes no Grande Recife, as ferramentas de facilidade da gestão municipal ainda não os alcançam.

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"Às vezes a insegurança de não ser compreendido é uma grande barreira"Rejane Souza

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De acordo com o gestor do Eacape, Altino Mulungu, as conversas com a gestão municipal para a criação de um curso gratuito de português para imigrantes econômicos não saem do papel. “Como a maioria deles não domina a língua portuguesa fluentemente, cria-se uma grande barreira de exclusão social e isso prejudica a interação deles com a sociedade recifense”, lamenta o gestor do Escritório.

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Altino explica que, para um imigrante, é preciso no mínimo o domínio do idioma nacional para que ele também possa se qualificar em outras áreas disponíveis no mercado de trabalho na capital pernambucana. “Apesar de a gestão municipal se sensibilizar com a causa do curso de português, nunca conseguimos colocar o projeto em prática de forma organizada”, pontua Mulungu.

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A mais de 3 mil quilômetros longe de casa, os senegaleses ainda sofrem com a invisibilidade no Recife. Para o gestor da Eacape, a falta de um mapeamento estratégico dos imigrantes que residem na capital é um dos fatores principais que prejudicam o avanço da criação de medidas efetivas para os estrangeiros. “Para agir, é preciso que a Prefeitura tenha uma panorama estatístico para saber quais as prioridades e as principais demandas dos grupos que residem aqui”, especifica.

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Altino relembra que, em 2014 e em 2015, a Eacape e a Clínica de Direitos Humanos da Faculdade Damas iniciaram um trabalho com dois voluntários para lecionar aulas gratuitas de português em São Lourenço da Mata,  na Região Metropolitana do Recife. “Não deu certo porque tínhamos poucos alunos e nenhuma ajuda da gestão municipal para a divulgação da iniciativa”, lamenta.

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Em entrevista, o secretário executivo de Justiça e Direitos Humanos do Recife, Paulo Moraes, limitou-se a dizer que a gestão municipal ainda não desenvolveu uma ação permanente de política pública para migrantes. “Nós temos que identificar qual é a principal demanda para depois começarmos a agir em ações estratégicas”, falou. Paulo Moraes também afirmou que não existem medidas estruturadas para imigrantes na capital pernambucana e que a secretaria ainda está em fase de mapeamento.

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Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SDSDH) informou que não recebeu uma demanda para o aprendizado da língua portuguesa. “Nos últimos três anos e meio, só chegaram quatro casos de imigrantes através do Centro de Referência de Direitos Humanos e, ainda assim, não solicitaram acolhimento nem aprendizado da língua e, sim, emprego”.

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A secretaria afirmou, através da assessoria de imprensa, que não acredita que o Recife seja uma rota de refugiados. “Mesmo assim, a SDSDH mantém os canais abertos para este público. É importante lembrar que este quantitativo é referente aos casos que chegaram apenas na Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos”. Sobre a capital pernambucana ser destino de senegaleses, os dados da Associação Pernambucana de Senegaleses de Pernambuco desmentem a posição oficial da prefeitura.

Rejane Souza: Eles chegaram e disseram: "mãe, quero aprender português"
Lamane Diaw: "quando eu cheguei ao Brasil,
eu não sabia falar a língua daqui
e ela foi quem me ensinou"

Da Conde da Boa Vista até a Avenida Dantas Barreto são quase três quilômetros de extensão e um fluxo diário de mais de 500 mil pessoas. Mas uma coisa, em especial, é uma das principais causas desse alvoroço nosso de cada dia na área central da cidade: o comércio. Importante traço da capital pernambucana, a atividade foi herdada dos mascates que ocuparam as ruas do velho Recife para vender ou trocar os mais variados produtos.

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Seja formal ou informal, o comércio movimenta boa parte da economia recifense. Porém os pernambucanos não foram os únicos a herdar essa prática por aqui. A atividade comercial é a principal — quando não a única — escolha dos senegaleses que optam pela capital para trabalhar, ganhar dinheiro e ajudar as famílias no país de origem.

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Companheiro diário dos vendedores ambulantes que lotam durante o dia as ruas do Centro, o sol a pino brilha no reflexo das bijuterias de metal e pedras, que chamam a atenção para o simples tabuleiro de madeira — coberto por um tecido vermelho parecido com camurça. Espalhados pelos principais pontos comerciais, eles vendem relógios, pulseiras, anéis e colares. O que esse brilho refletido pelas bijuterias não consegue ofuscar é a presença desses novos “mascates”, que chamam mais atenção do que os produtos.
 

A falta de comunicação e a impressão de seriedade, uma marca característica na maioria dos ambulantes senegaleses, chegam a intimidar os possíveis clientes. Normalmente sentados, com olhar baixo, silenciosos e sempre acompanhados por um fone de ouvido e um celular, eles, diferente da maioria esmagadora dos comerciantes que estão por ali, preferem ser abordados a abordarem os clientes.


Mas vender, para os muçulmanos, é também uma prática religiosa, como explica o ambulante senegalês Amadou Touré. “No Alcorão, o profeta [Maomé] diz: ‘se comércio é bem feito, é a melhor atividade para sobreviver’. Você oferece algo que a pessoa quer e, em troca, ela dá algo que você precisa, que hoje é o dinheiro. Um ajuda o outro. O profeta também era comerciante”, comenta Amadou.
 

Já o economista da Universidade Federal de Pernambuco Écio Costa ratifica que a familiaridade com o comércio, para além da religião, é uma característica econômico-geográfica do Senegal. “O Senegal apresenta um entreposto comercial muito importante no leste da África e isso interfere na cultura desses países que são afetados diretamente pelo comércio em sua economia, como também é o caso dos turcos e chineses, por exemplo”, esclarece o professor.
 

Contudo quando indagados sobre o porquê escolheram ser vendedores ambulantes para ganhar a vida no Recife, apesar de muitos exercerem outras profissões no Senegal, eles são praticamente unânimes: “o dinheiro é maior e chega mais rápido”. Maodo Malik exemplifica bem essa situação. O comerciante senegalês de 33 anos monta há pouco mais de dois anos a barraca dele diariamente no cruzamento da Avenida Dantas Barreto com a Rua das Flores, ambas no Centro. Hoje ele já está acostumado à rotina diferenciada de um comerciante no Recife, pois, apesar da experiência como vendedor no Senegal, ele dedicava mais tempo ao ensino.

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Em Dakar, Maodo era professor de francês e diz ter gostado de de lecionar e aprender outras línguas. “Lá no Senegal sempre fomos criados para ganhar o mundo, viajar, conseguir as coisas por si só. E eu fiz isso. Viajei muito, fui para vários países e com isso aprendi outras línguas. Depois, comecei a dar aulas de idioma, como o francês, e gostei”, conta ele.

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Além do francês, wolof e português, Maodo Malik ainda é fluente em inglês, espanhol e árabe. No entanto, mesmo com todo esse domínio sobre outros idiomas, o poliglota preferiu deixar seu currículo de professor de lado para vender bijuterias ao aportar no Brasil. E explica o porquê: “procurei saber quanto as escolas pagam aqui para um professor de idiomas e é muito pouco. Não dá para viver e mandar dinheiro para Senegal. Gosto muito de ensinar, mas quando decidi vir para cá foi para melhorar de vida”.  

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Mesmo as vendas oferecendo-lhe uma renda que chega mais perto do que ele pretendia ganhar, Maodo desabafa que os negócios já foram melhores. “O lucro aqui agora está bom, mas já foi melhor. Tem dia que não vende nada, tem dia que vende alguma coisa, mas é assim mesmo. Para ganhar mais, eu costumo viajar pelo Nordeste para vender meus produtos. Vou para Natal, Fortaleza, João Pessoa”, explica ele com otimismo.

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Assim como Maodo, muitos trabalham incessantemente para poder economizar uma boa quantia por mês e enviar ao Senegal. Ao perguntarmos para a maioria dos senegaleses que conhecemos qual o lugar preferido deles no Recife, muitos não sabiam responder, diziam que não conheciam a cidade — mesmo já estando aqui há anos — ou respondiam que eram as avenidas Conde da Boa Vista e Dantas Barreto, onde trabalham. Pelo contrário, afirmaram que não tinham tempo para passear e que só faziam o caminho do trabalho para casa.

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A rotina de Momar Mbaye, de 32 anos, é um exemplo. Também dono de uma simpatia estonteante, Marley, como prefere ser chamado, é tão obstinado quanto Maodo e outros conterrâneos. Mas, diferente do amigo e vizinho de banca na Dantas Barreto, Marley tentou ingressar no mercado de trabalho brasileiro como operador de máquinas assim que chegou ao país.

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Marley conta que chegou ao Brasil em 2013 e começou a trabalhar em uma fábrica de cimento no Rio Grande do Sul. Apesar de acreditar que era bem remunerado — recebia cerca de R$ 2 mil por mês —, Marley deixou o emprego e reclama das condições de trabalho na empresa: “eu desisti do trabalho porque a poeira do cimento subia e me fazia mal e meu chefe não me deixava ir ao médico. E, também, eu mesmo já tendo bem mais experiência que os outros operadores, recebia menos que eles”.

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De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o estrangeiro passa a ter os mesmo direitos trabalhistas de um empregado natural do país, como 13º salário, FGTS e férias de 30 dias. Além disso, também só se podem trabalhar oito horas diárias ou 44 semanais, com um dia de folga, preferencialmente aos domingos.

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Ao chegar à capital pernambucana, Marley viu uma alternativa para continuar cumprindo o objetivo aqui. “Em 2014, eu vi no comércio uma saída para ter mais liberdade sobre meu horário de trabalho. Eu tenho duas filhas e um esposa para ajudar no Senegal, não posso ficar sem ganhar dinheiro”, conta o senegalês.

 

Entretanto, apesar de ver hoje o comércio como uma forma mais prática e tranquila de ganhar dinheiro, Marley conta que já passou por alguns apuros por causa da fiscalização da prefeitura em relação à ocupação de comerciantes informais nas ruas da cidade. “Eu fiquei muito chateado quando os fiscais me retiraram da Conde da Boa Vista. Depois de ser expulso duas vezes da Boa Vista, consegui um lugar aqui na Dantas Barreto, onde estou há alguns meses”, fala ele.

  

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Mbaye Mbaye, de 38 anos, também é um comerciante senegalês que trabalha na Avenida Dantas Barreto e, assim como Marley, não possui cadastro na prefeitura. Com certa desconfiança e rispidez ao ser abordado por nós, justamente por atuar ilegalmente no comércio recifense, ele esclarece que já tentou se legalizar, mas sem sucesso. “Gosto de tudo organizado, mas no Recife não consegui. Fiquei dois anos na Conde da Boa Vista, mas para não ser pego pelos fiscais e não perder meus produtos depois, tive que me mudar para a Dantas Barreto”.

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De acordo com a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano do Recife, dos 120 senegaleses contabilizados pelo Escritório de Assistência à Cidadania Africana em Pernambuco, só 26 estão cadastrados como comerciantes informais na Prefeitura do Recife. Segundo a Semoc, foram mais de 4 mil comerciantes informais devidamente inscritos em 2013, ano em que o cadastro começou. Ou seja, os comerciantes que iniciaram suas atividades após a época do cadastro, não podem ser regularizados nem se quiserem, já que o cadastro foi iniciado e finalizado há cerca de três anos.

 

Já o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal do Recife (Sintraci), Severino Alves, explica que atua representando os senegaleses que trabalham nas ruas da cidade, assim como faz com os comerciantes nativos. “Dentro do quadro associativo do sindicato, temos senegaleses. Trabalhamos juntos com a Eacape e procuramos garantir o direito ao trabalhador que utiliza a rua. Então, eles estão dentro do processo de luta com a gente”, declarou.

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Advogado da Defensoria Pública da União (DPU), André Carneiro Leão é integrante do Grupo de Trabalho de Atendimento a Estrangeiros e afirma que o Brasil é carente em políticas públicas para estrangeiros. “Não existe uma política pública voltada para a situação específica dos imigrantes e isso é um problema grave no nosso país”, lamenta André.

Mascate

Maodo Malik trocou as salas de aula de Dakar pelo comércio do Recife
Mamadou Makhtar trocou as cozinhas pelas ruas do Recife. Mesmo quatro anos longe das panelas, ele mostra que não perdeu a mão para a boa culinária senegalesa.

Mamadou

Mamadou
Marley tentou se legalizar como ambulante para atuar nas ruas da capital
Mountakha Seck: me comunico para vender, mas ainda falo pouco português

A relação do Senegal com Pernambuco não é recente, pelo menos para o povo senegalês. Separados pela imensidão do Oceano Atlântico, o país africano e o estado brasileiro estão localizados em regiões costeiras da África e da América do Sul. O presidente da Associação dos Senegaleses, Amadou Touré, conta que Pernambuco sempre despertou interesse entre os senegaleses. Registros escritos da história dos grandes líderes da nação senegalesa revelam que Pernambuco já foi citado na história do país no fim do século 19 e até hoje é alvo de curiosidade entre a população.

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No ano de 1895, durante a colonização francesa na região, o maior líder religioso do Senegal, Cheikh Ahgmadou Bamba, foi preso por colonizadores franceses. O religioso era visto como ameaça pela França e, por isso, foi exilado sob afirmação de que a revolta popular causada por seus ensinamentos tinham que ser esquecidas entre os senegaleses. Para o povo, o Cheikh representava sabedoria, santidade e inspiração.

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Condenado ao exílio, Ahmadou Bamba foi levado pelos colonizadores para St. Louis, a capital colonial do Senegal na época. Um mês depois, ele foi colocado a bordo de um navio de bandeira brasileira com destino ao Gabão, densa floresta tropical que servia de prisão. A embarcação que levou o religioso se chamava “Cidade de Pernambuco” e, de acordo com a literatura senegalesa, foi emprestada pela Marinha do Brasil para o translado dos exilados. Cheikh Ahmadou Bamba passou sete anos no exílio e, após ser solto, retornou às suas terras de origem.

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O Senegal conta com grande tradição na manutenção da história oral, através dos Griôs, que são profissionais treinados entre gerações de famílias, para se tornar historiadores orais. Por isso, mais de um século depois, Amadou conta que até os dias de hoje, os senegaleses reconhecem o nome “Pernambuco” e brincam entre si com piadas sobre uma possível passagem do religioso ou da embarcação pelas terras pernambucanas.

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A fé de um povo sem fronteiras

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O outro lado da história distingue. Os pernambucanos pouco sabem sobre a história da África e mais especificamente do Senegal. Para os senegaleses que moram no Recife, a estadia, apesar de temporária, pode ser desafiadora. O pós-­doutor em Sociologia pela UFPE Marcos de Araújo Silva ressalta que a falta de conhecimento sobre o continente africano é também um reflexo da omissão das escolas das redes públicas e privadas pelo Brasil. “O que acarreta que os migrantes sofram um processo de invisibilização muito forte e isso contribui para eles ficarem dispersos e alheios à sociedade”, comenta o professor.


Morando no Recife, cidade majoritariamente cristã, e trabalhando no comércio, os imigrantes econômicos senegaleses lidam diariamente com as diferenças culturais, principalmente por virem de um país com maioria islâmica. Para os senegaleses, a religião e a crença nas palavras do Alcorão — livro sagrado dos muçulmanos — representa fidelidade e sobretudo identidade cultural. Os seguidores do Islã seguem cinco pilares essenciais.

Crenças

Crenças
Passe o cursor sobre a imagem das cinco colunas para ver os pilares da fé islâmica.

Criado no ano de 1993, o Centro Islâmico do Recife, localizado na Rua da Glória,  bairro da Boa Vista, é o único local de encontro religioso dos muçulmanos que residem na capital pernambucana. Entre a venda de um produto e outro, os senegaleses muçulmanos tentam organizar os horários de trabalho para comparecer às orações das sextas-feiras, às 13h. É um dia de adoração comunitária na religião islâmica. Com vestimentas religiosas e integrados entre si, eles têm a oração conduzida pelo Sheikh Mabrouk El-Sawy Said, orientador do Centro.

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Era um dia de temperatura abafada, poucas nuvens no céu e a ventania quase não era sentida. Às 9h, na Rua da Glória, o Centro Islâmico era palco da reunião anual dos muçulmanos. Eram pessoas de todo o Estado, mulheres, crianças e homens. Cozinheiro de mão cheia, Amadou tomava à frente no churrasco repleto de variedades de carnes e na cozinha com pratos típicos africanos.

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Durante o período da manhã, o momento foi de confraternização e de muita conversa. Às 12h20, a oração teve início e então o silêncio era absoluto. O respeito pela religião e como isso dá sentido à vida dos que seguem é inegável. Na oração, ao contrário do que se dissemina na mídia, as palavras de paz são entoadas com firmeza. De joelhos em um pano esverdeado, no qual só podem pisar sem os calçados, os muçulmanos agradecem pela vida e pela fartura de comida.

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Após a reza, era o momento de servir as comidas. E não eram poucas. Cuscuz marroquino, muito churrasco, arroz doce com passas, e outras comidas típicas do Senegal. A maioria dos temperos são trazidos de países da África para o preparo dos pratos mais sagrados.

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Apesar da forte da presença dos senegaleses em Pernambuco, a intolerância religiosa com o islamismo ainda é recorrente. Para o comerciante Mamadou Matar, estar em um lugar com uma cultura muito diferente é difícil. “É uma língua diferente, temos que aprender coisas que não estamos acostumados. Aqui, eu ví muita coisa que nunca presenciei na minha vida no Senegal. Mas a nossa educação tem que nos acompanhar em qualquer lugar do mundo e eu tenho que conviver com qualquer pessoa”, afirmou.

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O professor Marcos Araújo afirma que as constantes associações do Islã com o terrorismo começaram a se disseminar no ocidente após o atentado às torres gêmeas nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001. “Muitas vezes, os seguidores dessa religião evitam utilizar as vestimentas religiosas nas ruas para não criar problemas. As pessoas têm medo de se aproximar de muçulmanos porque veem todos os dias na mídia as relações da religião com as guerras civis e com atentados”, disse.

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O mito da aceitação

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Tachados à primeira vista de povo “fechado” e de “poucas palavras” por muitos brasileiros, os senegaleses que vêm trabalhar no Recife podem surpreender se ganharem ao menos uma tentativa de diálogo mais aprofundado, além de olhares curiosos. No rítmo intenso do trabalho com o comércio informal e optando por raríssimas folgas em meio a uma crise financeira no Brasil, um grupo três senegaleses aceitou nos receber na residência em que moram temporariamente na capital pernambucana.

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Ao lado do Centro Islâmico, em um primeiro andar que fica na Rua da Glória, no bairro da Boa Vista, região central, moram cinco senegaleses, que optaram por dividir o aluguel da casa para baratear o custo de vida na capital pernambucana. Dos cinco, três nos receberam e os outros dois estavam viajando a trabalho pelo interior do estado, prática comum depois da quedas nas vendas no centro do Recife.

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Entre eles, o diálogo é feito em um tom de voz alto e apenas no dialeto wolof. Aos 33 anos, Ibra Koum, que prefere ser chamado de Thiago, porque diz que os brasileiros o tratam melhor apenas pelo nome ser melhor compreendido. Ele divide o local com Pablo Gueye, 37, e com Mombar Mbaye, 32. Com poucos móveis na sala, devido ao tempo escasso em que ficam em casa, eles contam que às vezes assistem à televisão brasileira, mas preferem conversar com a família ou com amigos. Apesar de pequena para abrigar cinco pessoas, a casa é aconchegante e o convite para o jantar é feito logo que subimos as escadas do duplex.

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Em uma cozinha com um grande amontoado de diferentes objetos, desde uma bicicleta quebrada até as panelas e ingredientes da janta, Pablo se divide entre preparar a comida e responder mensagens em seu celular. Sentado no sofá enquanto aguarda o jantar, ao som de músicas do Senegal, o comerciante Mombar Mbaye diz que prefere ser chamado de Marley, em alusão ao cantor de reggae jamaicano Bob Marley.

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Medindo quase dois metros de altura, negro e com um perfil de militante da causa negra, ele explica que apesar de não concordar com o uso de drogas e bebida alcoólica por parte do cantor Bob Marley, tem uma grande admiração pela luta travada nos versos musicais devido ao fim do racismo. “Ele dizia que todos nós somos iguais em essência e alma, as letras dele me inspiram até hoje”, afirmou. O senegalês comenta que os imigrantes do Senegal preferem andar entre si porque já têm uma maior confiança um no outro e que a cultura brasileira é muito diferente da deles.

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“Eu já esperava sentir essa diferença porque sabia que ia viajar para um país de outra religião, mas nunca imaginei que os brasileiros não conhecessem a crença dos muçulmanos”, disse Marley, em alusão a atitudes preconceituosas contra o islamismo. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, há aproximadamente 35 mil muçulmanos no Brasil. Associações islâmicas brasileiras estimam um número entre 800 mil e 1,5 milhão.

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“Gente que chama o islã de religião de matador é mentira. O nosso profeta pediu que a gente respeitasse o próximo. Eu conheço muitas pessoas no Recife que falam mal da minha crença. As pessoas ficam fazendo piadas e não sabem nada do que falam. Eu não falo nada dos católicos e nem dos evangélicos porque eu não sei, as pessoas não podem falar do que não sabem”, diz ele.

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A partir da virada culturalista do pernambucano Gilberto Freyre, a miscigenação brasileira tornou-se marca diferencial da identidade de um país recém republicano. Misturando cores e culturas, o Brasil seria o lugar da aceitação, do acolhimento ao outro, ao diferente. Um país de hospitalidade e afeto. O mito da identidade cultural brasileira, entretanto, é denunciado na desigualdade de um país que convive e rechaça suas diferenças, escanteando e colocando à margem tudo aquilo que ultrapassa a normatividade existencial do cidadão dessa terra, como aponta Jessé de Souza, no livro “Ralé Brasileira”. 

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O advogado da DPU André Carneiro Leão pontua que o brasileiro tem um discurso e esse não condiz com a realidade. “Nós não vivemos em uma democracia racial, é apenas demagogia de alguns afirmar que não temos racismo no Brasil”, explica. Embora historicamente o Brasil tenha um alto fluxo migratório, Carneiro defende a tese de que essa noção de que o os brasileiros são hospitaleiros com todos os estrangeiros e imigrantes não passa de um grande mito: “É sempre comum o discurso de que eles estão vindo tirar nossos empregos e que os brasileiros têm que estar em primeiro lugar. Com essas constantes afirmações, a gente percebe de certa forma uma criminalização do estrangeiro”.
 

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Integração como mantra

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A integração dos imigrantes nas sociedades “acolhedoras” é um processo complexo, multifacetado e hierarquizado. “A esfera política tem uma noção de integração que diverge das visões dos estrangeiros. Políticos acham que estar integrado é falar perfeitamente o português, ter amizades com brasileiros, respeitar a cultural local e não criar problemas”, contou o professor Marcos Araújo.

 

Para Araújo, o grande problema é que na visão de quem é de fora se integrar é apenas não criar problemas com os nativos mantendo-se isolado. “Integração não pode ser confundida com uma espécie de negação de sua cultura nativa, de se vestir da maneira que você quer e de propagar as suas crenças religiosas”, diz o professor.

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Em grandes cidades com alto fluxo de migrantes, as ONGs são geralmente as protagonistas no processo de integração, enquanto os governos locais assumem uma postura meramente passiva. “Integrar não é anular o outro, é respeitar e não querer colonizar a cultura do estrangeiro”, acrescentou o sociólogo Marcos Araújo.

Vindos de um país que transborda cultura atrelada à religião, os senegaleses ainda enxergam o Brasil com olhos desconfiados e muitos até preferem conversar com os amigos em grupos de WhatsApp, do que dialogar com o pernambucano no meio da rua.

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Na Sociologia,  a cultura não é estática e muda constantemente, de acordo com os acontecimentos vividos pelos participantes da sociedade. Além disso, o maior contato e convívio com outros países pode modificar a realidade cultural de um grupo. “Como muitas vezes esse processo de integração não acontece aliado a invisibilização dos imigrantes, é comum que eles acabem se inserindo em camadas mais marginalizadas da sociedade e consumindo as mesmas coisas, desde música até os grandes problemas da desigualdade social no Brasil”, pontuou o professor Remo Mutzenberg.

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O senegalês fã de Bob Marley diz que no Brasil aprendeu a gostar de funk e de brega. No seu quarto, um jogo de luz se divide em emitir os diferentes tons de vermelho e verde no rítmo da música ‘Cheia de Marra’, do Mc Livinho.  Com um sorriso aberto no rosto, Marley dança no ritmo da batida e acha divertido o estilo musical, mesmo que seja muito diferente do que costuma ouvir no Senegal. Entre um verso e outro, ele até se arrisca e canta alguns trechos da música.

Thiago diz que a fé no Islã está sempre em primeiro lugar
Pablo é o responsável pelo jantar na casa dos cinco senegaleses
Marley: "nunca imaginei que os brasileiros não conhecessem a crença dos muçulmanos"
Mombar Mbaye: Bob Marley dizia que todos somos iguais em essência

Hiatos

Hiatos

A falta de diálogo na política nacional sobre imigrantes abre hiatos e desperta nos senegaleses a sensação de não pertencimento à realidade brasileira. De cabeça erguida e com pouca bagagem em mãos, muitos se deparam com portas fechadas. Na capital pernambucana, para tentar garantir direitos mínimos, os senegaleses se ajudam na busca por condições básicas de saúde e moradia.  

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Apoiada pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, a Cáritas Brasileira Regional NE2, com sede em Pernambuco, é uma organização com atuação em regiões pobres do planeta. Diferente das sedes nacionais do Rio de Janeiro e São Paulo, a sede recifense não possui recursos financeiros para trabalhar na causa do imigrante e do refugiado. Apesar disso, a instituição acompanha a demanda dos estrangeiros em busca de trabalho na capital pernambucana.

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Secretário regional da Cáritas NE2, Ângelo Zanré diz que sabe das dificuldades da comunidade senegalesa, mas não consegue mudar a perspectiva local por falta de interesse do setor público. “Já tentamos dialogar com a prefeitura, também despreparada feito nós. Aqui no Brasil, eu acho que não temos um política pública estruturada de governos municipais e estaduais”, lamentou.

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Para o secretário, os recursos são limitados e não garantem a proteção integral do imigrante no Recife. “Aqui nós agimos mais de coração do que de uma forma organizada. A Polícia Federal sempre encaminha os imigrantes e refugiados para o Cáritas. Isso é um problema porque eles pensam que somos como em São Paulo e Rio, onde há um atendimento estruturado e um centro e referência. Aqui não temos praticamente nada”, relatou Ângelo.

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"criam-se barreiras econômicas para investir em políticas públicas voltadas para os imigrantes"Thales Castro

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No Recife, o Instituto de Assistência Social e de Cidadania (IASC), vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, é responsável por garantir moradia, alimentação, higienização e trabalho para famílias e indivíduos que se encontram sem referência e, ou, em situação de ameaça. Atualmente, o programa conta com dez casas de acolhimento.

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O gerente de relações públicas da Cáritas Regional, Wagner Oliveira, criticou a gestão municipal pela falta de investimento e de preparo. “O IASC não tem condições de abrigar os imigrantes porque mal consegue dar conta dos moradores de rua e pessoas em vulnerabilidade por causa das drogas”, comentou.

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Com a problemática internacional dos refugiados estampada nos jornais e os Direitos Humanos atingidos pela crise migratória, a luta pela garantia dos direitos dos migrantes econômicos perdeu espaço em debates políticos. A condição de vulnerabilidade social dos novos imigrantes que chegam ao Recife aliada à falta de monitoramento da Prefeitura Municipal foi o que impulsionou Amadou Touré a criar a Associação de Senegaleses de Pernambuco.

 

Para o professor e cientista político especialista em Relações Internacionais Thales Castro, o governo se preocupa com reivindicações que excluem políticas de imigração. “Como não dão conta das demandas sociais dos próprios brasileiros, criam-se barreiras econômicas para investir em políticas públicas voltadas para os imigrantes”,  fala.

Se deixar o Senegal para arriscar tudo no Brasil é uma decisão difícil para quem parte, escolher voltar e largar o que ficou por aqui é tão difícil quanto. Para muitos senegaleses que vivem no país canarinho, essa realidade ficou mais próxima nos últimos anos. Apesar do trabalho de segunda a segunda e das viagens para vender produtos a baixos preços, ficar por aqui e mandar dinheiro para casa está se complicando cada vez mais. Junte a isso a desilusão com o Brasil, a falta de adaptação aos costumes e a forte violência e, então, sobram motivos para que eles arrumem as malas e retornem ao berço para ganhar a vida na África.

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Ao final de 2014, o Brasil demonstrava que a economia não ia tão bem quanto antes. O desemprego é um dos primeiros indicadores a dar sinal de alerta quando a situação financeira declina. De acordo com o IBGE, o número de desempregados marcou recorde em dezembro de 2016, quando mais de 12 milhões de pessoas terminaram o ano sem nenhum ofício — valor que equivale à população de Pernambuco e do Distrito Federal juntas. O mesmo estudo apontou também que Pernambuco teve a terceira maior taxa de desocupação do Brasil, atingindo a marca de 14% (em 2015, era de 9,1%).

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Como a economia funciona em ciclo, o aumento do desemprego afeta setores diretamente relacionados, como o de consumo. Dentro desse quadro, o comércio sofre com a queda brusca nas vendas. E, como os senegaleses, principalmente os que se instalaram em Pernambuco, sobrevivem majoritariamente disso, não demorou muito para eles sentirem o impacto da crise econômica que atinge o Brasil.

 

Momar Mbaye, o Marley, ressalta que a procura pelos produtos dele caíram muito em 2016. “A gente sente muito essa crise. Não sei como ela começou, mas está sendo muito ruim para mim e meus amigos. Antes vendíamos bem todos os dias, a gente ganhava uma boa grana, mas hoje temos que dar sorte para o dia de trabalho ser bom”, conta o imigrante.

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Marley diz, ainda, que a queda nas vendas é o que o faz pensar em voltar para casa o quanto antes. “Eu já queria voltar, mas queria ganhar mais dinheiro para mim e minha família. Só que as coisas não estão legais e, se eu já tivesse a grana para comprar a passagem, eu já teria voltado para o Senegal”, confessa. Para poder voltar ao Senegal, Marley precisa desembolsar em torno de R$ 2,5 mil para a passagem aérea.

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De acordo com o professor de Relações Internacionais Thales Castro, muitos imigrantes irão decidir ir embora por conta da crise econômica brasileira. “Digo isso porque muitos se deparam com uma realidade totalmente diferente da que imaginavam, veem que aquele sonho do ‘Eldorado’ não é verdade; não encontram apoio para se estabilizarem, seja governamental ou não”, acredita o pesquisador.

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"se eu tivesse grana para comprar a passagem, já teria voltado ao Senegal"Momar Mbaye

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Por outro lado, há quem queira ficar e enfrentar tudo isso. É o caso de Ibra Koum, Thiago para os íntimos. Ibra não tem mais planos de voltar ao Senegal, ele conta com empolgação como gostou do Recife e pretende se fixar aqui.

“Cheguei querendo trabalhar, ganhar dinheiro e depois voltar pra casa. Mas pretendo casar, ter filhos e construir uma vida aqui e ir para o Senegal só visitar minha família”, planeja. Quando questionado sobre a crise que o Brasil enfrenta, ele responde: “o Brasil vai passar por isso, o emprego vai voltar e o comércio vai melhorar de novo”.

Retorno

Retorno
Thiago: cheguei querendo trabalhar, mas quero construir uma vida aqui

Thales Castro, diferentemente de Thiago, aponta que muitos senegaleses deixarão o Recife durante a atual crise. Mas não é só a economia que diminui o ânimo dos imigrantes, senão uma série de entraves que os perseguem desde o momento que pisam em solo brasileiro. Ausência de atenção governamental, falta de apoio das entidades, choque cultural e preconceito — racial e religioso — são impasses que os africanos enfrentam diariamente quando deixam a nação. E sobre o futuro, o cenário mostra que muito ainda precisará ser feito para que esses imigrantes sejam vistos com outros olhos pelo Brasil.

Magal

Magal

Anualmente milhões de muçulmanos da "Irmandade Muride", uma ordem religiosa islâmica, se encontram na cidade de Touba para comemorar o dia sagrado em sua religião. A celebração é chamado de Grand Magal de Touba (Grande Festa de Touba) acontece no dia 18 do mês lunar de Safar em todo país. Os fiéis vão até a maior mesquita do Senegal, fundada pelo Cheikh Ahmadou Bamba, e fazem suas orações.

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A data religiosa também é comemorada pelos senegaleses que vivem na capital pernambucana. No dia 19 de novembro de 2016, a celebração foi realizado no salão de festas do Hotel Plaza, no bairro da Boa Vista, e reuniu imigrantes do Senegal, além de convidados pernambucanos.

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Na versão "recifense" da Grande Magal, a oração das 8h deu início ao dia de comemorações. Os senegaleses se vestiram com trajes típicos e uma camisa personalizada feita para a ocasião. Amantes da culinária da terra natal, eles não economizaram em pratos típicos do Senegal, além de refrigerante, suco e água.

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Os imigrantes se dividem entre leituras do Alcorão, em árabe, e rezas na língua natal wolof. Em todo o salão de festas estavam espalhadas fotografias do Cheikh Ahmadou Bamba e textos explicando o motivo da celebração. O custeio do encontro foi dividido entre os próprios senegaleses e os convidados não pagaram nada.

Caíque batista
Repórter
Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), realizou intercâmbio na Universidade do Porto, em Portugal, na qual ampliou o interesse pelo jornalismo audiovisual e internacional. Em Pernambuco, passou por veículos como TV Jornal (SBT) e Rede Globo.

Autores

Autores

Eduarda Esteves
Repórter
Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e fez intercâmbio para a Universidade Federal Fluminense (UFF). Escreve atualmente para o Portal LeiaJá, redação do iG em Pernambuco. Interessa-se pelo jornalismo investigativo e etnográfico.

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